Autor: Driftin' (anagrama do silêncio)
UM DIA DIFERENTE
Uma
casa velha, muito branca - um daqueles brancos imaculados e rugosos, à
espera de que as palavras se abram num sorriso. Uma casa velha na
projecção da memória que se reflecte nos espelhos do tempo.
Entrei!...
Teria sido indelicado ignorar o convite, qualquer que fosse o pretexto.
O inesperado não era, decididamente, um argumento válido, não obstante a
surpresa. Não obstante os compromissos.
Foi um sorriso quem me
abriu a porta. Um sorriso transparente, quase como os da minha
juventude, quando a tia Laurinda me saudava lá de cima, da janela
sobranceira a um futuro que já não existe. Ou quando um desconhecido
parava à conversa com o rapaz que, por alguns dias, se libertava da
azáfama da grande cidade.
Lá dentro, como num filme a preto e
branco, recordei-me dos gestos, dos sentimentos, da vida daquelas
pessoas que, hoje, se calhar, haveriam de olhar-me como um estranho. O
tempo substituiu a alegria pela distância. A cordialidade pela
indiferença. A verdade, essa, acabou por se perder nas areias do
esquecimento.
Uma casa muito simples. O inconfundível cheiro de
uma tranquilidade à beira da extinção. Um breve silêncio e, depois,
quase o reencontro de dois amigos nas coordenadas do acaso. Nas
inesperadas reviravoltas da vida. As confidências pareciam ter-se
reunido no semicírculo dos cadeirões, como se há muito aguardassem por
uma ocasião propícia. Como se a amizade não desse trabalho. Como se
fosse óbvia. Espontânea.
À saída, um abraço ocupou o lugar de um
incaracterístico aperto de mãos. Um abraço confiante, decidido, sem
obstáculos. Teria sido um dia diferente sem o convite do Ezhno. Um dia
menos preenchido. Mais pobre.
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