2012/05/09

História #extra
Autor: Driftin' (anagrama do silêncio)

UM DIA DIFERENTE

Uma casa velha, muito branca - um daqueles brancos imaculados e rugosos, à espera de que as palavras se abram num sorriso. Uma casa velha na projecção da memória que se reflecte nos espelhos do tempo.
Entrei!... Teria sido indelicado ignorar o convite, qualquer que fosse o pretexto. O inesperado não era, decididamente, um argumento válido, não obstante a surpresa. Não obstante os compromissos.
Foi um sorriso quem me abriu a porta. Um sorriso transparente, quase como os da minha juventude, quando a tia Laurinda me saudava lá de cima, da janela sobranceira a um futuro que já não existe. Ou quando um desconhecido parava à conversa com o rapaz que, por alguns dias, se libertava da azáfama da grande cidade.
Lá dentro, como num filme a preto e branco, recordei-me dos gestos, dos sentimentos, da vida daquelas pessoas que, hoje, se calhar, haveriam de olhar-me como um estranho. O tempo substituiu a alegria pela distância. A cordialidade pela indiferença. A verdade, essa, acabou por se perder nas areias do esquecimento.
Uma casa muito simples. O inconfundível cheiro de uma tranquilidade à beira da extinção. Um breve silêncio e, depois, quase o reencontro de dois amigos nas coordenadas do acaso. Nas inesperadas reviravoltas da vida. As confidências pareciam ter-se reunido no semicírculo dos cadeirões, como se há muito aguardassem por uma ocasião propícia. Como se a amizade não desse trabalho. Como se fosse óbvia. Espontânea.
À saída, um abraço ocupou o lugar de um incaracterístico aperto de mãos. Um abraço confiante, decidido, sem obstáculos. Teria sido um dia diferente sem o convite do Ezhno. Um dia menos preenchido. Mais pobre.

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