2012/04/12

História #13
Autor: Silvestre (blog do silvestre)


AQUELE ABRAÇO

Foi há 20h. Apareceu de surpresa à porta do meu trabalho. Ficou parado a olhar para mim com aquele sorriso pateta que lhe chega às orelhas, como se tivesse tido um ataque de paralisia facial enquanto se ria. Perguntou-me «somos melhores amigos não somos»? «Os melhores» respondi. Ele continuou. «Estou tão feliz, arrisquei como me ensinaste. Conheci uma pessoa. Aliás venho agora de casa dele. Não conseguimos deixar de estar juntos. É maravilhoso». Eu sei que me disse que estava feliz, que era maravilhoso, que somos melhores amigos, mas… “de casa dele”, teria ouvido bem? «Ele?» perguntei com ar jocoso para não ficar mal. «Sim, é um “ele”. Mas, sempre me disseste que não importa quem amamos, desde que seja puro e honesto». Gelei. Perdi o sorriso. «É uma brincadeira?» perguntei. Ele gaguejou «não… é a sério… não compreendo». Perdi a calma «Não compreendes?! Que parte é que não compreendes? A de que és um depravado ou a de que és um porco? Tu estás a dizer-me que és um maricas de merda e esperas que fique calmo?». Assumiu um ar confuso e culpado que ainda me enfureceu mais «nunca pensei… eu… pai, por favor…». Estendeu os braços para me abraçar. «Queres abraçar-me? Despedaças os sonhos que tenho para ti, estilhaças a nossa confiança e queres um abraço? És um traidor, metes-me nojo!» Fui-me embora e deixei-o com aquele abraço por entregar. O coma pode ser irreversível disseram-me. Se calhar o acidente foi por minha culpa, porque lhe menti a ele e a mim. Não tenho nojo dele, amo-o desesperadamente e ele é o meu melhor amigo. Quero tanto aquele abraço que deixei por entregar…

9 comentários:

  1. A realidade vista sob outro prisma.
    Interessante.

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  2. São abraços que custam, esses que ficaram por dar.

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  3. Gostei! Gostei!
    Muito bom, manter o leitor na ignorância de que se trata de uma conversa entre pai e filho até quase ao final. Muito boa, a transição também inesperada entre um ambiente de alegria e um ambiente de crispação. Muito bom o ritmo geral da escrita. Muito bom, o não ter "gorduras" nem adjetivação exagerada.
    Forte, muito forte, o final de arrependimento do pai.
    Apenas me parece um pouco "forçada" a introdução repentina do coma e do acidente, a seguir ao abraço por entregar, por não haver transição entre as duas. Uma alternativa que talvez resultasse melhor seria colocar o coma e parágrafos seguintes logo no início do texto.
    Mas é apenas uma sugestão. Porque está mesmo muito bom! Parabéns!

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  4. @joaomáximo: obrigado pela crítica. pensei que a introdução abrupta se ligaria à primeira frase «foi há 20h», mas afinal pode não ser claro :)

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  5. @silvestre: acho que "foi há 20h" acaba por ser um pouco curto. Eu até pensei que era gralha ortográfica ("foi às 20h")... LOL

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  6. gostei muito. excelente sentido narrativo, e fortíssima quanto ao conteúdo.
    acho que o problema que o João Máximo levanta se pode resolver se a primeira frase passar a ser qualquer coisa do género: "Foi apenas há vinte horas". Ou mesmo: "Foi apenas há vinte horas, menos de um dia".
    desculpa as sugestões de editing, mas é mesmo apenas para resolver um pequeno 'problema' de uma história que está excelente.

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  7. Vim ler cada uma das histórias. Sendo histórias diferentes, todas me deram oportunidade de pensar e, por razões diferentes de todas gostei.
    Aqui fica o meu abraço.

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